quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sobre as coisas políticas (VI): a política sem rumo, sem Deus

[Encerraríamos ontem a série de textos sobre a política eleitoral. Mas em razão da quantidade de comentários que temos recebido de alguns católicos (a maioria da melhor cepa liberal, dada a sua idéia do que seja a política), resolvemos continuar. Estão preocupadíssimos com a Agenda comuno-abortista-gayzista-narcoterrorista-colombiano-iraquiana — na incrível expressão de um deles! — de uma das facções em luta, que, em seu aterrorizado parecer, seria mais danosa do que as demais. Reiteremos, antes de tudo:


1- Não estamos eu e o Nougué fazendo campanha pelo voto nulo; apenas votaremos nulo por falta de opção do ponto de vista da fé, e expressar isto de público remetendo-nos a princípios desde sempre defendidos pela Igreja é, em si, um serviço, ainda que os nossos opositores não enxerguem isto no calor da véspera das eleições. Estão cegos pela paixão política e não compreendem a coincidentia oppositorum dos partidos hoje em disputa pela Presidência, ambos a serviço de Belial;

2- Perdoem-nos, mas que iletrados nos chamem de ‘covardes’, aduzindo argumentos que mostram não terem estudado absolutamente nada sobre as relações Igreja-Estado, é algo que revela apenas o grau de embotamento a que, mesmo entre católicos, chegamos. A propósito, os ‘linhas-médias’ são os primeiros a correr na hora do pau. São flexíveis com relação aos princípios e, por conseguinte, também o serão na hora de defender a fé à custa dos próprios interesses. Entre abraçar o martírio para não perder a fé e abjurá-la para viver num ambiente político hipoteticamente melhor, certamente escolherão o ‘mal menor’ no plano natural — a menos que se dê um milagre;

3- Se quiserem discutir em qualquer foro público, estamos dispostos a fazê-lo].


Sidney Silveira

Uma coisa parece absolutamente monocórdica entre católicos que atacam o voto nulo nestas eleições presidenciais como se fora ‘imoral’, ou coisa que o valha: no discurso de todos eles não há sequer resquício do vínculo necessário existente entre o fim último do homem (Deus) e o fim da política (o bem comum da Cidade). Desconhecem este liame inextricável defendido solenemente pelo Magistério tradicional da Igreja como norma pétrea, e também ignoram que os atos propriamente humanos — atualizados pelas potências superiores da alma, a inteligência e a vontade — são meritórios ou demeritórios com relação a Deus, mas nem sempre o são com relação à Pólis, como ensinara Santo Tomás no clássico De Regno. Em resumo, antes de tudo, o católico* ordena-se a Deus como a seu fim próprio, seja sob a tirania de um Calígula, de um Stalin, ou então sob a proteção do rei São Luís de França. Em qualquer destes casos, atuar no plano político justifica-se apenas se for para auxiliar a Igreja a lograr os seus fins de ordem superior, sem os quais a Pólis, como diz o Pe. Calderón num de seus belos escritos, transforma-se em pasto de demônios santarrões.

Convém relembrar que a ordem sobrenatural está para a natural assim como o ato está para a potência, pois não haveria todo o conjunto de entes naturais sem a existência de uma realidade supra naturam que lhes desse o suporte metafísico. Se assim não fosse, como se mostrou alhures, a natureza seria autocausada, o que é absurdo. Portanto, todos os bens naturais — entre os quais se insere o bem comum político, alcançável por potências inscritas na natureza humana — estão subordinados aos bens sobrenaturais, de que a Igreja é custodiadora. Tendo, pois, em vista esta subordinação necessária do natural ao sobrenatural, não há simpliciter gradações de mal entre duas ou mais facções políticas que, formalmente, contrariem em pontos essenciais a fé (a qual é virtude sobrenatural infusa, lembremos), da mesma forma como não há o mais ou menos herético, o mais ou menos cismático. A escolha parece ser entre ir para o inferno de trem-bala ou montado num jegue; entre Barrabás e Barrabás do B.

Alguns de nossos opositores, entre os mais cultos, arrolam documentos da Igreja do começo do século XX ou do final do XIX em que notáveis Papas propugnaram a escolha do mal menor político, mas deixam obviamente de aduzir que o conselho aplicava-se, sem dúvida, aos casos de necessidade absoluta. Para aqueles Papas, a separação entre a Igreja e o Estado, hoje consagrada mundo afora, seria não menos que diabólica; ademais, tal princípio para eles jamais implicaria que o sujeito devesse despir-se do catolicismo para eleger esta ou aquela corrente política, razão pela qual certamente nem Leão XIII nem São Pio X apoiariam candidatos que assinassem normas técnicas propiciando o aborto com recursos materiais subministrados pelo Estado ou, então, criassem escolas que são fábricas de militância gayzista, como é o caso do candidato escolhido por parte dos nossos católicos como a salvação da pátria brasileira. Nunca dos nuncas estes grandes Papas incentivariam o voto em políticos frontalmente contrários à lei natural! Pressupor que o fizessem é jogar no lixo os princípios norteadores do seu pontifício conselho de escolha do mal menor político...

Em suma, se o mal menor é, também ele, essencialmente, anticatólico (ainda que sob uma fisionomia menos contundente e tendo por trás de si um grupo político menos organizado) devemos escolhê-lo? Ou, por outra: vale escolher o mal menor por razões meramente políticas? Vale porventura ignorar as duras exigências do princípio de adesão à integralidade da fé para salvar algo da configuração política? Aqui, façamos outra observação: entre um socialismo com tirânicas pretensões continentais e um socialismo enrustido, mas igualmente nefasto em seus princípios, a diferença é de grau, e não de gênero. O que estes amigos não enxergam é que o socialismo enrustido prepara o terreno ideológico para o socialismo tirânico (hoje, ambos travestidos de ‘democráticos’), e dentro em breve o mal menor nos levará ao exato ponto em que estamos. Quem, afinal, é ingênuo? Nós ou o sujeito que não enxerga a perfeita harmonia e complementaridade entre as forças em luta?

Entre dois movimentos que se orientam a um mesmo fim — como o PT e o PSDB —, não há propriamente uma contraforça, mas, no caso de que se trata, apenas diferenças quanto à velocidade da marcha rumo ao brejo, e à configuração em que isto se dará. A real contraforça poderia vir ou da Igreja mesmo (acontece que ela simplesmente abdicou à sua supremacia no plano político) ou, então, da criação de uma corrente política efetivamente católica, que, a médio e longo prazos, se colocasse como alternativa aos infernos que se avizinham. Várias vezes, em desalentadoras conversas, indagamos eu e o Nougué se não seria conveniente, dado o dramático tempo em que vivemos, a criação de uma nova Ação Católica, com vistas a atuar ou plano político ou no infrapolítico. Mas neste ambiente da democracia liberal, será?

Outra coisa: quando os nossos liberais católicos desfraldam com o peito aberto o anátema papal aos que aderem ao comunismo, fingem esquecer-se de que o liberalismo (em que a sua mentalidade está imersa, numa louca mornidão) foi igualmente anatematizado. Ademais, nenhum dos nossos críticos parece opor-se, por princípio, à democracia liberal que torna possível a situação política do mundo contemporâneo e, a fortiori, do Brasil de hoje.

* Consciente ou inconscientemente, na verdade todos os homens ordenam-se a Deus como a seu fim próprio, mas aqui quer-se apenas enfatizar que o católico de boa formação sabe disto.

P.S.1. Desfraldem as bandeiras, valorosos defensores da democracia! Recebi de fonte segura (afinal, sou jornalista profissional e trabalhei com cobertura de política durante bom tempo) a seguinte informação: a próxima pesquisa, a ser divulgada amanhã, registra uma diferença de algo em torno de 4,5% entre um candidato e outro. E nos bastidores já se sabe que a tendência de Dilma é de queda livre, justamente nestes últimos dias de campanha...

Adendo (trecho de uma resposta do Carlos Nougué a um amigo católico, com uma pequena adaptação): “Digo apenas duas coisas: a) apesar de quanto eu disse, não é um “pecado” votar em Serra, sobretudo porque os católicos não temos acúmulo de discussão suficiente para que decretemos tal caráter “pecaminoso”. É questão muito complexa, sobretudo ante a pergunta: do ângulo católico é Serra efetivamente menos indigno ou mal menor que Dilma? Não se repitam, porém, os argumentos dos liberais: se o PT é, pouco mais ou menos, o que você diz, foi todavia no governo FHC que: 1) mais o MST recebeu verbas estatais; 2) se normatizou legalmente o aborto; 3) se estimulou inicial e grandemente o gayzismo. Ademais, Serra fundou a primeira escola gay para adolescentes. Isso clama ao céu por vingança, como diria S. Pio X (cf. Catecismo Maior). E mantenho: tal como está sendo feito, o apoio dos melhores católicos a Serra joga água no moinho do social-liberalismo e terá como conseqüência o aumento do câncer liberal entre esses mesmos católicos. Um dos pressupostos para o seguro apoio dos católicos a qualquer candidato menos indigno é que eles estejam tão seguros de seu catolicismo e tão firmemente dirigidos por um firme episcopado, que não sejam tragados pelo fluxo das coisas. Se porém se tratasse, pelo menos, de um candidato que defendesse claramente alguns importantes itens da lei natural, os danos de que tal fluxo tragasse os católicos seriam menores. Mas imagine, amigo, um apoio católico a um Serra abortista e defensor do gayzismo como uma espécie de assinatura num cheque em branco ou numa ação ao portador não preenchida: uma catástrofe, cujas conseqüências logo advirão”.

Adendo 2: notícia publicada hoje em vários jornais: Serra diz ser favorável à união civil entre homossexuais. Bem, isto de fato pode não importar a quem, de tão embebido na política deste mundo, parece não distinguir entre o homo catholicus e o catholicus 'homo' que tanto envergonha hoje a Igreja, como o provam vários escândalos.