sábado, 3 de abril de 2010

Pederastia


Carlos Nougué
Estamos, em nosso Curso de História da Filosofia “Do Impulso Grego ao Abismo Moderno”, na altura de Sócrates, o grego que abriu a estrada real da filosofia. E, entre as muitas inverdades que se dizem a respeito desse gigante do pensamento, está a de que partilhava o gosto e a prática do chamado “amor dório”, ou seja, o homossexual masculino, que partindo de Esparta acabou por conquistar boa parte da Hélade. Não conquistou toda a Hélade (haja vista, por exemplo, a rejeição ao homossexualismo na Jônia); nem todas as mentes (haja vista, por exemplo, Platão, que nas Leis o diz antinatural ou contra naturam; ou o historiador Xenofonte, que em seu Banquete tece um veemente elogio do amor conjugal, masculino-feminino; ou Aristóteles, que na Política afirma que devia ser expurgado da melhor pólis); nem perdurou de modo majoritário por muito tempo, declinando ainda em vida de Platão. Mas arraigou-se profundamente ali, e em especial em Atenas, e para disso nos certificarmos basta ler, no Banquete platônico, o discurso de Fedro, o de Pausânias, o de Aristófanes, etc., nos quais não só se defende ardorosamente o amor dório, como se lançam farpas agudas contra o amor masculino-feminino, cujos praticantes seriam ou covardes, ou adúlteros, etc.

Mais, porém, que o amor dório em geral, deitou raízes nefastas no solo grego ― e particularmente em Atenas ― uma de suas manifestações, a pederastia (do grego paiderastía,as, “prática sexual de um homem maduro com um efebo ou rapazinho entre a puberdade e a adolescência”). Em outras palavras: o que hoje pode perfeitamente chamar-se “pedofilia homossexual masculina”. Pois é disto mesmo que dizem ter sido Sócrates aficionado, o que se confirmaria por sua relação com o belo efebo Alcibíades, e por sua confessa mestria na “Arte do Amor”, exercida justamente com jovenzinhos. Como teremos oportunidade de dizer em nosso Curso, nem aquela relação nem o exercício desta Arte alicerçam tal suposição, o que, por sua vez, é plenamente confirmado por ninguém menos que o mesmo Alcibíades, que no Banquete platônico narra sua própria tentativa infrutífera de fazer Sócrates ceder a suas investidas amorosas. O que era tal Arte para Sócrates, vê-lo-emos, como dito, no Curso; o que porém agora temos de dizer é que o mundo de hoje que quer ver em Sócrates um homossexual com todo o direito à pederastia é o mesmíssimo mundo que, em contrapartida, não dá semelhante “direito” aos sacerdotes da Igreja.

Nos dias que transcorrem diante de nossos pobres olhos, a virulência com que são atacados os sacerdotes acusados de pedofilia (insista-se: de pedofilia homossexual masculina) é inversamente proporcional ao gozo e gáudio com que se louva a pederastia na Grécia antiga. Mas pergunte-se a esses campeões da autocontradição: Não são vocês a favor da liberdade para todas as “orientações sexuais”? Não são vocês radicalmente contra a censura aos meios de comunicação e às artes? Não são vocês incisivamente a favor de passeatas gays e de amores livres diante dos olhos de quem quer que seja, incluídos os efebos? E não são vocês contra o celibato sacerdotal? Então por que o escândalo com os casos de pedofilia sacerdotal apontados, raivosamente, por vocês mesmos (vários deles, aliás, apenas presumidos, não comprovados)?

É, pois, patente que grande parte dos que saem em defesa da Igreja ante aquelas acusações aduz verdades em sua argumentação; e entre essas verdades está a de que muitos dos que acusam as autoridades eclesiásticas de conivência com os pedófilos são, em verdade, ateus militantes e adversários coléricos de Cristo, de sua Igreja, da lei natural, da moral evangélica; e está também a de que não se pode punir antes de averiguar e julgar canonicamente. Outros dados apresentados em defesa da Igreja, como a acusação de que grupos homossexuais planejaram e praticam uma infiltração metódica nos seminários, são possíveis, dir-se-ia em alguns casos prováveis, mas ainda não indubitavelmente certos.

Escrevo porém este brevíssimo artigo, sobretudo, para dizer outra coisa: para dizer precisamente que, apesar de quanto se disse acima, o fato é que não podemos, uma vez mais, enfiar a cabeça na terra qual avestruz ou tentar tapar o sol com a peneira. A que me refiro? Ao fato evidente, que transcorre à luz do dia diante de nossos pobres olhos, de que em boa parte do mundo é imensa e abjeta a corrupção moral do clero. Sem dúvida alguma, a Igreja já padeceu em outras épocas graves crises morais, como o chamado nicolaísmo ou concubinato dos padres (com mulheres, é claro), no século IX ― crise a que, porém, se seguiu a tão vigorosa reação católica do século X ao XIII. Mas a Igreja padeceu aquelas crises pelas fraquezas dos homens, ainda os da Hierarquia, diante da guerra que sempre lhe moveram e movem seus inimigos: o mundo, a carne e o demônio. Hoje, todavia, padece-a não só por isso, mas por algo muito mais sério: por um câncer. Por uma degeneração interna, e não propriamente por uma invasão. E esse câncer, esse processo degenerativo tem nome: o humanismo católico (de que são manifestações o liberalismo católico, o modernismo, a Nova Teologia, etc.); e sua metástase partiu de um órgão preciso: o Concílio Vaticano II.

O processo de putrefação é patente: desolação doutrinal (incluída a iníqua, conquanto sutil, alteração da hierarquia dos fins do matrimônio) > por um lado, afrouxamento moral > por outro, renúncia ao caráter monárquico da Igreja e consequente perda de autoridade efetiva pelo papado. Por que toda e qualquer pessoa, sem o socorro da Graça, sem a doutrina perene e imutável dada pelo Mestre dos mestres, sem a submissão mais estrita ao Rei dos reis e seus sacerdotes, é capaz de incorrer nos mais graves pecados e cometer as mais terríveis abjeções, e estaria isenta disto a Hierarquia eclesiástica?

A crise é mais que grave, e a Igreja vive a sua Sexta-feira da Paixão. Hoje não podemos senão fazer, como já dito em outro lugar, o nosso aprendizado de solidão e rogar a Deus que nos dê virtudes heróicas, sem ceder em nem um iota quanto à doutrina ― ainda que o ouropel oferecido brilhe mais que o sol que nos ofusca.

Em tempo: Como católicos que somos, não podemos senão nos solidarizar com o Papa ante os ataques virulentos e medonhos dos inimigos de Cristo e de sua Esposa, e ante as abjeções internas de que com razão tanto se envergonha. Mas precisamente porque somos católicos e amamos a Igreja e o Vigário de Cristo é que insistimos: não terá força o Papa para combater não só os inimigos externos, mas as abjeções internas, enquanto a Hierarquia for caudatária da doutrina deletéria do Concílio Vaticano II, e enquanto não se restaurar a estrutura monárquica da Igreja e, pois, a mesma e efetiva autoridade papal.