quinta-feira, 25 de março de 2010

Aprendizado de solidão

Carlos Nougué
Escreveu-me um amigo perguntando que argumentos devemos opor aos dos ateus com respeito à existência de Deus, e particularmente a afirmações como a de que “a ordem percebida do universo é um mecanismo de defesa do cérebro”, o que “invalidaria a 5ª. via” de Santo Tomás. Transcrevo a seguir parte da resposta que lhe dei.

“Infelizmente, nada se pode dizer de muito extenso com respeito ao que pede. Por quê? Porque as provas tomistas da existência de Deus já são a razão natural elevada a metafísica, ou seja, nada há que acrescentar a elas. Dizia S. Tomás que com homens de outras religiões não se podia discutir fé, porque eles negavam a fé verdadeira; mas deviam-se desmontar seus erros racionais porque, fazendo-o, se podia mostrar que sua fé falsa se baseava também em erros de razão. E o dizia porque aqueles homens [de modo geral] não negavam a razão natural. Ora, [especialmente] os ateus atuais negam a razão natural e, logo, a metafísica, que não é senão a razão natural elevada a ciência. Prova? Basta o que o amigo mesmo me envia: o dizer que a ordem percebida do universo é um mecanismo de defesa do cérebro e que isso invalidaria a 5ª via. Como discutir com homens que negam a capacidade humana de compreensão?

“A única coisa que se lhes pode lançar em rosto é que toda a humana compreensão das coisas se baseia em princípios, como o de contradição, dos quais decorre inexoravelmente. Ora, eles, os ateus [atuais], ainda que sem o aceitar, têm de tentar negar a capacidade de compreensão humana sem negar, na prática, os primeiros princípios da razão humana [porque, se o fizessem, nem sequer poderiam afirmar algo]. Ora, se tal é assim, é porque o que decorre inexoravelmente daqueles mesmos princípios a que os próprios ateus têm de recorrer na prática é real e verdadeiro.

“E pode-se-lhes dizer ainda isto: se não temos capacidade de compreender a verdade, como sabem vocês, ateus, que é verdade o que dizem ser verdade, ou seja, que a verdade não existe? Vê, caríssimo, a loucura que temos diante de nós?

“Se lhe posso dar um conselho, amigo, mais vale para nós, neste tempo de apostasia não só religiosa mas também racional, de desolação e abominação não só da fé mas também do intelecto, mais vale, digo, estudar que discutir. Os homens modernos são como pedras, impermeáveis a qualquer verdade, porque negam a existência da própria verdade. Nada de mais útil que descobrirmos, para nós mesmos e para pessoas que [pelo menos] não negam de todo a razão natural, as verdades contidas nas páginas de um Aquinate.”

Quando os cristãos se reuniam nas catacumbas de Roma para fugir da perseguição, ou quando, após a queda do Império Romano, santos varões se isolavam no deserto, que estavam fazendo senão entregar-se a um aprendizado de solidão, ou melhor, dessa espécie única de solidão em que nos encontramos a sós com Deus? Pois bem, a um aprendizado semelhante devemos entregar-nos hoje os católicos. Num momento em que a apostasia é tão geral que se instalou até na Hierarquia da Igreja, momento que não é antecedente a uma cristianização do mundo (como a que se deu em Roma e após a sua queda), mas conseguinte à descristianização dele, como agir de outro modo?

É bem verdade que as catacumbas e os desertos foram os pontos de partida daquela cristianização. Não creio que as catacumbas e os desertos atuais o sejam, e em outro lugar falarei aprofundadamente das razões que me levam a tal descrença. Mas diga-se por ora, ao menos: ainda que eu pudesse estar equivocado quanto a isto (possibilidade que concedo perfeitamente, por não julgar-me nenhuma espécie de profeta), nem por isso deixaria de ser verdadeira a afirmação de que devemos entregar-nos hoje ao aprendizado desta espécie única de solidão. Crer que movimentos, partidos, acordos espúrios, indiferenciações doutrinais, mitigações da verdade possam levar-nos a uma reversão do quadro atual e, pois, a uma recristianização do mundo é esquecer que, ainda que isto fosse possível, não se poderia dar senão ao modo dos cristãos das catacumbas e dos Padres do deserto: tendo como eixo a solidão com Deus e com a verdade, e sem concessões religiosas e doutrinais.

Tudo o mais são formas várias, digamos, de “milenarismo”, que como tais, por buscarem algo quimérico (ou pelo menos por buscarem algo de modo quimérico), acabarão sempre por incorrer em equívocos de lesa-doutrina, de lesa-verdade, de lesa-realeza de Cristo.

Em tempo: a pessoa responsável pelo blog “A Grande Guerra” (
http://a-grande-guerra.blogspot.com/#), que tem por epígrafe “A santa modéstia é um heroísmo”, pediu-me que o divulgasse. E o faço com muito gosto. Nele se podem ler muitos textos do magistério da Igreja, de Santos e de Doutores sobre a modéstia no portar-se e no vestir-se; sobre o matrimônio e seu fim primeiro; etc. Não li o blog inteiro; mas o que li me basta para recomendá-lo vivamente.