quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A Cruz e a Confiança em Deus

Carlos Nougué
A um grande pai e amigo

Uma das maiores tentações do católico católico — ou seja, aquele que nos dias de hoje, contra ventos e tempestades de um mundo neopaganizado, tenta manter as tradições da antiga Cristandade — é a “messiânica”: o considerar que como resultado das ações católicas tradicionais o mundo se tornará a converter e tornaremos a ter uma duradoura Cristandade. Nego-o? Considero-o improvável, mas digo sobretudo que tal esperança não pode ser o motor principal de nossa vida. Se é verdade que o Reino de Cristo não é só celestial, mas também terrestre (porque, sendo seu Reino o da Verdade, há de ser Ele o Rei de tudo: do mundo universo, das sociedades, de nosso coração), isso, porém, só é assim porque o é em ordem a Ele mesmo. Não disse o próprio Jesus que a figura deste mundo passará, mas suas palavras não passarão?

Em outros termos: o motor de nossa vida não pode ser senão o amor e a total entrega à cruz, e não somente à Cruz que nos merece todo e qualquer bem eterno; também à cruz nossa de cada dia, a mesma que Cristo nos mandou carregar para podermos seguir empós d’Ele. Ordenar-se a Nosso Senhor Jesus Cristo é ordenar-se à sua Cruz e pois à nossa cruz. Mas há um pressuposto para tal: a plena confiança nos desígnios de Deus com relação a todos os planos — o religioso, o histórico, o social, o individual. Se Aquele Que É permite a Sexta-Feira da Paixão que vive hoje a sua Igreja, é certamente por um bem infinitamente superior. Se o Senhor dos Exércitos permite que a história marche para os tempos de trevas do Anticristo, é certamente por um bem infinitamente superior. Se a Causa das Causas permite a desagregação das sociedades, é certamente por um bem infinitamente superior. Se o Sumo Bem permite o sofrimento individual, é certamente por um bem infinitamente superior. É verdade que Deus permite tudo isso também em castigo dos pecados dos homens. Mas o permite, acima de tudo, por um bem infinitamente superior: a própria glória devida a Ele mesmo e à Cruz de seu Filho, cujas chagas permanecem em seu corpo glorioso como o galardão dos galardões, como o fulgor dos fulgores.

Nossa vida não pode pautar-se senão na confiança absoluta de que tudo quanto acontece se ordena a este bem infinitamente superior. Por isso nos manda Nosso Senhor Jesus Cristo que demos a outra face aos nossos agressores, e não apenas que lha demos, mas que ao dar-lha os amemos como Ele próprio nos amou, ou seja, até a morte, e morte na Cruz. Que escândalo tanto para os infiéis quanto para os lobos em pele de cordeiro a atitude do católico diante do agressor, diante do maquinador, diante do detrator, diante daquele cuja voz ou sussurro só se ouve nas sombras! Sim, porque o rancoroso agride o não-rancoroso como se fosse alvo do rancor deste... O ambicioso trama contra o não-ambicioso como se fosse vítima da ambição deste... O invejoso intriga contra o não-invejoso como se este agisse por inveja dele... Mas o católico que toma sua cruz para ter a honra suprema de seguir empós de Cristo e poder assim glorificar sua Santa Cruz dá a outra face ao rancoroso, ao ambicioso, ao invejoso, e ao dar-lha ama-os a eles como Cristo nos amou a nós, os pecadores, e ama a própria agressão como parte de sua devida cruz.

Não dá, todavia, a outra face da Igreja, de sua família, de seus amigos, dos que sofrem injustiça por amor da Verdade. Nunca lho pediu Cristo, muito pelo contrário. Deve agir o católico em defesa da Igreja, de sua família, de seus amigos, dos que sofrem injustiça por amor da Verdade. Não fazê-lo é covardia... e é pecado. Apenas uma coisa lhe deve impedir tal agir: qualquer consideração prudencial de que ao fazê-lo acabaria por prejudicar a eles mesmos ou a algo superior (como, por exemplo, os interesses da Igreja). Esse não agir, porém, não deve considerar-se definitivo: porque, se se apresentar o momento em que agir em defesa deles, em vez de prejudicá-los, os ajudará, então, sim, o católico não poderá hesitar um só instante — deve começar imediatamente a fazê-lo. E deve fazê-lo ainda que tal lhe acarrete qualquer sofrimento, porque este mesmo acarretar não fará senão acrescer-lhe a devida e amada cruz, para a devida glória da amadíssima Cruz.

Lutemos, sim, até o último suspiro, pelos direitos sociais e políticos de Cristo Rei. Mas não nos esqueçamos de antes de tudo imitar o nosso divino Mestre e Modelo, que, como se lê na “Via Sacra”, estendeu os braços para receber a Cruz e, num transporte de ternura, apertou-a ao coração e banhou-a de lágrimas — antes de, pondo-a aos ombros chagados, encaminhar-se para o Calvário.

“Ó Jesus, essa cruz me era devida a mim, que sou pecador, e não a Vós, que sois inocente. Mas o inocente quis pagar pelo pecador... Sede sempre bendito, ó Senhor. Abraço, por vosso amor, todos os desprezos e contrariedades da vida.”

Amém.

Em tempo 1: Na próxima semana darei todas as indicações práticas acerca do “Curso de História da Filosofia”. Incluem-se entre essas indicações uma ementa detalhada e uma bibliografia precisa e comentada.

Em tempo 2: Como o site da FSSPX entrará em recesso para reformulações, meu longo artigo sobre o sedevacantismo continuará neste blog. Ainda esta semana se postarão aqui as partes V e VI, nas quais se expõe a Tese de Cassiciacum. Os que ainda não têm as partes anteriores podem pedi-las a mim (carlosnougue@hotmail.com).