quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Padre Leonel Franca: um “historicista”?

Sidney Silveira
Passaram-me agora o texto de um blog no qual se diz, no título, que o Padre Leonel Franca (de quem li muita coisa: escritos de metafísica e teodicéia, noções de história da filosofia, textos sobre o protestantismo no Brasil, um tratado contra o divórcio, etc.) foi um "grande historicista". Não um historicista qualquer, mas um grande — ou seja, um prócer do historicismo. Pois muito bem: a
ntes de qualquer coisa, fique absolutamente claro que subscrevo tudo o que está dito ali pelo grande padre e pensador brasileiro, a saber: não nos devemos circunscrever — com uma espécie de exclusivismo oco — às fronteiras da Idade Média (o próprio Nougué já escreveu isto, mais de uma vez, no Contra Impugnantes). Para corroborar as suas palavras, aduz o Padre Franca, mentor e fundador da PUC-RJ, um belo texto de Santo Tomás cuja idéia-mestra inserimos na introdução de um dos livros da Sétimo Selo: a verdade (de certo modo) é um constructo histórico que tem como argamassa o labor de filósofos de épocas distintas, cujas conquistas intelectuais, em seu conjunto, nos dão a certeza de que algo de grande se fez.

Mas vamos lá:

Somente fazendo uso de um salto lógico podemos considerar o padre Leonel Franca um “historicista”. Na verdade, não se trata de um simples salto, mas de um bungee jumping lógico — só que, neste caso, a corda elástica puída fez o saltador esborrachar-se no chão. As argutas críticas de Leonel Franca a Kant e ao kantismo, a sua portentosa Psicologia da Fé, as estupendas conferências proferidas por ele sobre a prova da existência de Deus segundo Santo Tomás, a sua contraposição às idéias do teólogo liberal Antonio Rosmini* (que, no século XIX, teve 40 proposições solenemente condenadas por Pio IX), etc., mostram o quanto o nosso bom padre sabia que a verdade**, em seu sentido mais elevado (o metafísico), uma vez adquirida, torna-se uma conquista transtemporal. Chamá-lo, sem mais, de "historicista" é manchar-lhe a bela trajetória intelectual, pois nem o conceito de historicismo hegeliano, nem o de historicismo popperiano — e parece-me que nenhum outro — podem ser aplicados, com propriedade, à obra de Leonel Franca. Na prática, o responsável pelo blog parece confundir historicidade com historicismo.

Em Ateísmo Militante, Leonel Franca mostra como o malfadado materialismo histórico de Marx teve como inspiração fundamental (embora distorcendo alguns princípios) a concepção historicista de Hegel segundo a qual a história é a evolução do Espírito em uma dialética interna consigo mesmo, no tempo. Franca mostra como Hegel “suprimira” a natura, ao afirmar que a oposição entre sujeito (homem) e objeto (ente natural) não passa de uma oposição do Espírito... consigo mesmo!

Na verdade, o blogueiro errou de jesuíta. O epíteto “historicista” pode qualificar — de alguma forma — a obra de outro Padre da mesma ordem: Henrique Cláudio de Lima Vaz, cujo pendor historicista se manteve, em maior ou menor grau, ao longo de toda a sua trajetória intelectual. Não são tão incomuns, nos escritos de Lima Vaz, trechos como o seguinte (extraído do volume Ontologia e História): “É, pois, de história humana que falamos, e ela é a dimensão original da realidade — a dimensão específica da realidade humana (...)”.

* Rosmini foi declarado beato em 2007, pelo Papa Bento XVI, mas isto é história para outro post.
** Não falo, aqui, da verdade sobrenatural da fé, mas da verdade no plano natural, ou seja: à qual o homem tende naturalmente, dadas as suas potências intelectivo-volitivas.